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\part{Lógica Verofuncional -- LVF}
\label{ch.TFL}
\addtocontents{toc}{\protect\mbox{}\protect\hrulefill\par}
\chapter{Primeiros passos para a simbolização}
\section{Validade em virtude da forma}\label{s:ValidityInVirtueOfForm}
Considere este argumento:
\begin{earg}
\item[] Chove lá fora.
\item[] Se chove lá fora, então Sheila está melancólica.
\item[\therefore] Sheila está melancólica.
\end{earg}
e este outro também:
\begin{earg}
\item[] Márcia é uma sindicalista anarquista.
\item[] Se Márcia é uma sindicalista anarquista, então Sílvio é um ávido leitor de Tolstoy.
\item[\therefore] Sílvio é um ávido leitor de Tolstoy.
\end{earg}
Ambos os argumentos são válidos e não é difícil notar que eles compartilham uma estrutura comum, que pode ser expressada assim:
\begin{earg}
\item[] $A$
\item[] Se $A$, então $C$
\item[\therefore] $C$
\end{earg}
Essa parece ser uma \emph{estrutura} excelente para um argumento.
De fato, qualquer argumento com essa \emph{estrutura} será válido.
E essa não é a única estrutura boa para argumentos.
Considere um argumento como:
\begin{earg}
\item[] Raquel está lendo Platão ou estudando lógica
\item[] Raquel não está lendo Platão.
\item[\therefore] Raquel está estudando lógica.
\end{earg}
Este também é um argumento válido e sua estrutura é algo como:
\begin{earg}
\item[] $A$ ou $B$
\item[] não-$A$
\item[\therefore] $B$
\end{earg}
Uma estrutura excelente! Veja este outro exemplo:
\begin{earg}
\item[] Não é o caso que Leonardo fez ambos, atuou em vários filmes e estudou muito.
\item[] Leonardo atuou em vários filmes.
\item[\therefore] Leonardo não estudou muito.
\end{earg}
Este argumento também é válido e tem uma estrutura que poderíamos representar como:
\begin{earg}
\item[] não-($A$ e $B$)
\item[] $A$
\item[\therefore] não-$B$
\end{earg}
Esses exemplos ilustram uma ideia muito importante, que podemos chamar de \emph{validade em virtude da forma}.
A validade dos argumentos que acabamos de considerar não tem muito a ver com os significados das expressões em português como `Sheila está melancólica', `Sílvio é um ávido leitor de Tolstoi' ou 'Leonardo atuou em vários filmes'.
Se a validade destes argumentos tem algo a ver com significado, é apenas com os significados de expressões tais como `e', `ou', `não' e `se \ldots, então\ldots'.
Nas Partes \ref{ch.TFL}, \ref{ch.TruthTables} e \ref{ch.NDTFL} deste livro, vamos desenvolver uma linguagem formal que nos permitirá simbolizar muitos argumentos de tal modo que poderemos mostrar que eles são válidos em virtude de sua forma.
Essa linguagem será a \emph{lógica verofuncional}, ou LVF.
\section{Validade por razões especiais}
Existem, no entanto, inúmeros argumentos que são válidos, mas não por razões relacionadas à sua forma. Vejamos um exemplo:
\begin{earg}
\item[] Morgana gosta de macaxeira.
\item[\therefore] Morgana gosta de aipim.
\end{earg}
É impossível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa.
Portanto, o argumento é válido.
No entanto, a validade não está relacionada à forma do argumento.
Veja abaixo um argumento inválido com exatamente a mesma forma:
\begin{earg}
\item[] Morgana gosta de macaxeira.
\item[\therefore] Morgana gosta de rapadura.
\end{earg}
Isso poderia sugerir que a validade do primeiro argumento \emph{depende} do significado das palavras `macaxeira' e `aipim'.
Mas, esteja isso correto ou não, não é apenas a \emph{forma} daquele argumento que o torna válido.
Considere agora este outro argumento:
\begin{earg}
\item[] A escultura é toda verde.
\item[\therefore] A escultura não é toda vermelha.
\end{earg}
Novamente, parece impossível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa, pois nada pode ser todo verde e todo vermelho.
Portanto, o argumento é válido.
Mas aqui está um argumento inválido com esta mesma forma:
\begin{earg}
\item[] A escultura é toda verde.
\item[\therefore] A escultura não é toda brilhante.
\end{earg}
Este argumento é inválido, pois é possível que uma coisa seja toda verde e toda brilhante também.
(Pode-se, por exemplo, pintar as unhas com um elegante esmalte verde brilhante.)
A validade do primeiro argumento parece estar relacionada com a maneira como as cores (ou as palavras-que-designam-cores) interagem.
Mas, seja isso correto ou não, não é simplesmente a \emph{forma} daquele argumento que o torna válido.
A conclusão importante a ser tirada aqui é a seguinte:
\emph{Na melhor das hipóteses, a lógica verofuncional (LVF) nos ajudará a entender argumentos válidos devido à sua forma.}
\section{Sentenças atômicas}
Na Seção \ref{s:ValidityInVirtueOfForm} começamos a isolar a forma de um argumento substituindo \emph{subsentenças} de sentenças por letras específicas.
Assim, no primeiro exemplo daquela seção, `chove lá fora' é uma subsentença de `Se chove lá fora, então Sheila está melancólica', e substituímos essa subsentença por `$A$'.
Nossa linguagem artificial, a LVF (lógica verofuncional), leva a cabo essa ideia de forma absolutamente implacável.
Seu componente mais básico é uma coleção destas letras que chamaremos de \definepl{sentence letter}.
Elas serão os blocos de construção básicos a partir dos quais sentenças mais complexas são construídas.
Usaremos as letras maiúsculas do alfabeto como letras sentenciais da LVF.
Existem apenas 26 letras diferentes, mas não há limite para o número de letras sentenciais que podemos querer considerar.
Obtemos novas letras sentenciais adicionando subíndices às letras do alfabeto.
Por exemplo, abaixo temos cinco letras sentenciais diferentes:
$$A, P, P_1, P_2, A_{234}$$
Usaremos as letras sentenciais para representar ou \emph{simbolizar} certas sentenças em português.
Para fazer isso, precisamos fornecer uma \define{symbolization key}, tal como a seguinte
\begin{ekey}
\item[A] Chove lá fora
\item[C] Sheila está melancólica
\end{ekey}
Ao fazer isso, não estamos fixando essa chave de simbolização \emph{para sempre}.
Estamos apenas dizendo que, por enquanto, usaremos a letra sentencial `$A$' da LVF para simbolizar a sentença em português `Chove lá fora', e a letra sentencial `$C$' para simbolizar a sentença `Sheila está melancólica'.
Mais tarde, quando estivermos lidando com sentenças diferentes ou argumentos diferentes, poderemos fornecer uma nova chave de simbolização, tal como:
\begin{ekey}
\item[A] Márcia é uma sindicalista anarquista
\item[C] Sílvio é um ávido leitor de Tolstoi
\end{ekey}
É importante entender que qualquer que seja a estrutura interna que uma sentença em português possa ter, essa estrutura é perdida quando a sentença é simbolizada por uma letra sentencial da LVF.
Do ponto de vista da LVF, uma letra sentencial é apenas uma letra.
Ela pode ser usada para criar sentenças mais complexas, mas não pode ser desmontada.
\chapter{Conectivos}
\label{s:TFLConnectives}
No capítulo anterior, propusemos simbolizar as sentenças básicas do português através das letras sentenciais da lógica verofuncional (LVF).
Neste capítulo veremos como simbolizar as expressões `e', `ou', `não',\ldots\
que normalmente ligam, conectam as sentenças.
As suas simbolizações na LVF são, por esta razão, chamadas de \definepl{connective}.
Usaremos os conectivos lógicos para criar sentenças complexas a partir de componentes atômicos. Existem cinco conectivos na LVF.
A tabela a seguir os resume e a explicação de cada um deles será dada nas seções seguintes.
\begin{table}[h]\label{conec}
\center
\begin{tabular}{l l l}
\textbf{símbolo}&\textbf{nome do símbolo}&\textbf{significado}\\
\hline
\enot&negação&`não é o caso que$\ldots$'\\
\eand&conjunção&`$\ldots$\ e $\ldots$'\\
\eor&disjunção&`$\ldots$\ ou $\ldots$'\\
\eif&condicional&`se $\ldots$\ então $\ldots$'\\
\eiff&bicondicional&`$\ldots$ se e somente se $\ldots$'\\
\end{tabular}
\label{table:TFLConnectives}
\end{table}
Esses não são os únicos conectivos do português que interessam.
Outros são, por exemplo, `a menos que', `nem\ldots{}nem\ldots' e `porque'.
Veremos que os dois primeiros podem ser expressos através dos conectivos da tabela acima, enquanto o último não pode.
`Porque', diferentemente dos outros, não é um conectivo \emph{verofuncional}.
\section{Negação}
Considere como nós poderíamos simbolizar estas sentenças:
\begin{earg}
\item[\ex{not1}] Maria está em Mossoró.
\item[\ex{not2}] Não é o caso de que Maria esteja em Mossoró.
\item[\ex{not3}] Maria não está em Mossoró.
\end{earg}
Para simbolizar a sentença \ref{not1}, simplesmente adotamos uma letra sentencial.
Podemos propor a seguinte chave de simbolização:
\begin{ekey}
\item[M] Maria está em Mossoró.
\end{ekey}
Dessa forma, a sentença \ref{not1} é simbolizada simplesmente por:
$$M$$
Como a sentença \ref{not2} é claramente relacionada à sentença \ref{not1}, não devemos simbolizá-la com uma nova letra sentencial.
Grosso modo, a sentença \ref{not2} significa algo como `Não é o caso que $M$'.
Na tabela acima o símbolo de negação `$\enot$' faz este papel.
Podemos, agora, simbolizar a sentença \ref{not2} como:
$$\enot M$$
A sentença \ref{not3} também contém a palavra `não' e claramente diz a mesma coisa que a sentença \ref{not2}.
Portanto, também podemos simbolizá-la como:
$$\enot M$$
As sentenças \ref{not1} a \ref{not3} acima podem, então, ser simbolizadas como:
\begin{ekey}
\item[M] Maria está em Mossoró.
\item[$\enot$M] Não é o caso de que Maria esteja em Mossoró.
\item[$\enot$M] Maria não está em Mossoró.
\end{ekey}
A regra básica para saber se usamos a negação ($\enot$) na simbolização de uma sentença pode ser assim expressa:
\factoidbox{
Uma sentença pode ser simbolizada como $\enot\meta{A}$ se puder ser parafraseada em português como `Não é o caso que \meta{A}'.
}
\noindent Considerar mais alguns exemplos nos ajudará a entender melhor a negação.
\begin{earg}
\item[\ex{not4}] O dispositivo pode ser substituído.
\item[\ex{not5}] O dispositivo é insubstituível.
\item[\ex{not5b}] O dispositivo não é insubstituível.
\end{earg}
Vamos usar a seguinte chave de substituição:
\begin{ekey}
\item[S] O dispositivo é substituível
\end{ekey}
A sentença \ref{not4} agora pode ser simbolizada por:
$$S$$
Repare que a sentença da chave de simbolização é ligeiramente diferente de \ref{not4}, mas é evidente que elas têm o mesmo significado, afinal ser substituível é poder ser substituído.
Passando para a sentença \ref{not5}, dizer que o dispositivo é insubstituível significa que não é o caso que o dispositivo é substituível.
Portanto, mesmo que a sentença \ref{not5} não contenha a palavra `não', nós a simbolizaremos da seguinte forma: $$\enot S$$
A sentença \ref{not5b} pode ser parafraseada como `Não é o caso que o dispositivo seja insubstituível.'
E esta paráfrase pode novamente ser parafraseada como `Não é o caso que não é o caso que o dispositivo seja substituível'.
Portanto, podemos simbolizar essa sentença na LVF como:
$$\enot\enot S$$
As sentenças \ref{not4} a \ref{not5b} acima podem, então, ser simbolizadas como:
\begin{ekey}
\item[S] O dispositivo pode ser substituído.
\item[$\enot$S] O dispositivo é insubstituível.
\item[$\enot\enot$S] O dispositivo não é insubstituível.
\end{ekey}
Mas é necessário termos cuidado quando lidamos com negações. Considere:
\begin{earg}
\item[\ex{not6}] Glória está feliz.
\item[\ex{not7}] Glória está infeliz.
\end{earg}
Se usamos como chave de simbolização
\begin{ekey}
\item[F] Glória está feliz
\end{ekey}
então podemos simbolizar a sentença \ref{not6} como `$F$'.
No entanto, seria um erro simbolizar a sentença \ref{not7} como `$\enot{F}$'.
Porque a sentença \ref{not7} diz que Glória está infeliz.
Mas isso não é o mesmo que `Não é o caso que Glória está feliz'.
Glória pode, por exemplo, estar estudando lógica, e não estar nem feliz nem infeliz, mas em um estado de plácida indiferença.
Como `estar infeliz' não significa o mesmo que `não estar feliz', então, para simbolizar a sentença \ref{not7}, precisamos de uma nova letra sentencial da LVF.
As sentenças \ref{not6} e \ref{not7} acima são melhor simbolizadas na LVF como:
\begin{ekey}
\item[F] Glória está feliz.
\item[I] Glória está infeliz.
\end{ekey}
\section{Conjunção}
\label{s:ConnectiveConjunction}
Considere estas sentenças:
\begin{earg}
\item[\ex{and1}]Suzana é atleta.
\item[\ex{and2}]Bárbara é artista.
\item[\ex{and3}]Suzana é atleta e, além disso, Bárbara é artista.
\end{earg}
Precisamos de duas letras sentenciais diferentes para simbolizar as sentenças \ref{and1} e \ref{and2}.
Nossa chave de simbolização pode ser:
\begin{ekey}
\item[S] Suzana é atleta.
\item[B] Bárbara é artista.
\end{ekey}
A sentença \ref{and1} pode, então, ser simbolizada como `$S$' e a sentença \ref{and2} como `$B$'.
A sentença \ref{and3} diz, aproximadamente, `A e B'.
Usaremos um outro conectivo da lógica para lidar com este `e'.
Vamos usar, para isso, o símbolo `\eand', que chamamos na tabela da Página. \pageref{conec} de \define{conjunction}.
Assim, simbolizaremos a sentença \ref{and3} como:
$$(S \eand B)$$
Dizemos que `$S$' e `$B$' são os dois \definepl{conjunct} da conjunção `$(S \eand B)$'.
Resumindo, simbolizamos as sentenças \ref{and1} a \ref{and3} acima como:
\begin{ekey}
\item[S]Suzana é atleta.
\item[B]Bárbara é artista.
\item[$($S$\eand$B$)$]Suzana é atleta e, além disso, Bárbara é artista.
\end{ekey}
Observe que não fizemos nenhuma tentativa de simbolizar a expressão `além disso' na sentença \ref{and3}.
Expressões como `além disso', `ambos' e `também' funcionam para chamar nossa atenção para o fato de que duas coisas estão sendo conjuntamente ditas.
Talvez elas afetem a ênfase de uma frase, mas a ênfase é algo que em geral não interfere na validade ou não de um argumento e não é considerada na LVF.
Mais alguns exemplos ajudarão a esclarecer um pouco mais esse ponto:
\begin{earg}
\item[\ex{and4}]Suzana é atleta e canhota.
\item[\ex{and5}]Bárbara e Renata são ambas saxofonistas.
\item[\ex{and6}]Embora Bárbara seja saxofonista, ela não é canhota.
\item[\ex{and7}]Romeu é compreensivo, mas Bárbara é mais compreensiva do que ele.
\end{earg}
A sentença \ref{and4} é obviamente uma conjunção.
Ela diz duas coisas (sobre Suzana).
Em português é permitido dizer as duas coisas mencionando o nome Suzana apenas uma vez.
Como definimos acima a chave de simbolização
\begin{ekey}
\item[S] Suzana é atleta.
\end{ekey}
\emph{pode} ser tentador pensar que devemos simbolizar a sentença \ref{and4} com algo parecido a `$S$ e canhota'.
Mas isso seria um erro.
`Canhota' não é uma sentença completa do português.
Não poderíamos simbolizar `canhota' como uma letra sentencial.
O que estamos buscando é algo como `$S$ e Suzana é canhota'.
Portanto, precisamos adicionar outra letra sentencial à chave de simbolização. Utilizemos `$C$' para simbolizar `Suzana é canhota'.
Agora a sentença inteira pode ser simbolizada como:
$$(S \eand C)$$
A sentença \ref{and5} diz uma única coisa de duas pessoas diferentes, ou seja, atribui um predicado único a dois sujeitos.
Diz tanto de Bárbara como de Renata que elas são saxofonistas, ainda que em português tenhamos usado a palavra ``saxofonista'' apenas uma vez.
A sentença \ref{and5} pode claramente ser parafraseada como `Bárbara é saxofonista e Renata é saxofonista'.
Podemos então usar a seguinte chave
\begin{ekey}
\item[B_1] Bárbara é saxofonista.
\item[R] Renata é saxofonista.
\end{ekey}
e simbolizar \ref{and5} na LVF como
$$(B_1 \eand R)$$
A sentença \ref {and6} é um pouco mais complicada.
A palavra ``embora'' estabelece um contraste entre a primeira parte da frase e a segunda parte.
No entanto, a sentença nos diz que Bárbara é saxofonista e que ela não é canhota.
Para fazer com que cada um dos conjuntos (sentenças que compõe uma conjunção) seja uma letra sentencial, precisamos substituir ``ela'' por ``Bárbara''.
Portanto, podemos parafrasear a frase \ref{and6} como: `Bárbara é saxofonista \emph{e} Bárbara não é canhota'.
O segundo conjunto contém uma negação, então parafraseando mais uma vez, chegamos a: `Bárbara é saxofonista \emph{e} \emph{não é o caso que} Bárbara é canhota'.
Como já propusemos a chave de que $B_1$ simboliza ``Bárbara é saxofonista'', então completamos nossa chave de simbolização com mais uma letra sentencial:
\begin{ekey}
\item[C_1] Bárbara é canhota.
\end{ekey}
Agora, finalmente, usamos a paráfrase acima para simbolizar a sentença \ref{and6} como a seguinte sentença da LVF:
$$(B_1 \eand \enot C_1)$$
Observe que perdemos todas as nuances da sentença original em português nessa simbolização.
Existe uma clara diferença de tom, ênfase, entre a sentença `Embora Bárbara seja saxofonista, ela não é canhota' (a sentença \ref{and6}) e `Bárbara é saxofonista e não é o caso de que Bárbara é canhota' (a paráfrase que fizemos para simbolizá-la na LVF).
A LVF não preserva (e não pode) preservar esse tipo de nuance.
A sentença \ref{and7} levanta questões semelhantes.
Existe um claro contraste entre o que é dito de Romeu com o que é dito de Bárbara, mas isso não é algo com o qual a LVF consiga lidar.
Assim, podemos parafrasear \ref{and7} como `Romeu é compreensivo \emph{e} Bárbara é mais compreensiva que Romeu'.
(Observe que mais uma vez substituímos, em nossa paráfrase, um pronome [ele] por um nome [Romeu].)
Considere a seguinte chave de simbolização:
\begin{ekey}
\item[R_1] Romeu é compreensivo.
\item[B_2] Bárbara é compreensiva.
\end{ekey}
Para simbolizar o primeiro conjunto da paráfrase acima, `$R_1$' basta.
Mas como devemos simbolizar o segundo conjunto? O que diz: `Bárbara é mais compreensiva que Romeu'?
Não tem como dizer que Bárbara é \emph{mais} compreensiva que Romeu usando esta chave.
Precisamos de uma nova letra sentencial para simbolizar `Bárbara é mais compreensiva que Romeu'. Seja `$M_1$' esta letra.
Podemos agora simbolizar a sentença \ref{and7} como:
$$(R_1 \eand M_1)$$
A regra básica para saber se usamos a conjunção ($\eand$) na simbolização de uma sentença pode ser assim expressa:
\factoidbox{
Uma sentença pode ser simbolizada como $(\meta{A} \eand \meta{B})$ se puder ser parafraseada em português como `\ldots{}e\ldots{}' ou como `\ldots, mas\ldots', ou como `embora\ldots, \ldots'.
}
Você pode estar se perguntando por que colocamos parênteses em volta das conjunções.
A razão para isso ficará clara ao observarmos como a negação pode interagir com a conjunção.
Considere:
\begin{earg}
\item[\ex{negcon1}] Você não beberá ambos, refrigerante e suco.
\item[\ex{negcon2}] Você não beberá refrigerante, mas beberá suco.
\end{earg}
A sentença \ref{negcon1} pode ser parafraseada como `Não é o caso que: você beberá refrigerante e você beberá suco'.
Usando esta chave de simbolização
\begin{ekey}
\item[S_1] Você beberá refrigerante.
\item[S_2] Você beberá suco.
\end{ekey}
podemos simbolizar `você beberá refrigerante e você beberá suco' como `$(S_1 \eand S_2)$'.
Então, para simbolizar \ref{negcon1}, nós simplesmente negamos esta sentença toda:
$$\enot(S_1 \eand S_2)$$
A sentença \ref{negcon2} é uma conjunção:
você \emph{não} beberá refrigerante e você \emph{beberá} suco.
Dada a chave de simbolização recém proposta, simbolizamos `Você não beberá refrigerante' como `$\enot S_1$' e `Você beberá suco' como `$S_2$'.
Então, a sentença \ref{negcon2} é simbolizada como:
$$(\enot S_1 \eand S_2)$$
As sentenças \ref{negcon1} e \ref{negcon2} têm, em português, significados muito diferentes e por isso suas simbolizações têm que ser também diferentes.
Em \ref{negcon1}, o \emph{âmbito} (ou \emph{escopo}) da negação é toda a conjunção.
O posicionamento da negação `$\enot$' antes do símbolo de abre parênteses `$($' em `$\enot(S_1 \eand S_2)$' indica que toda a sentença que está entre parênteses está sendo negada. O âmbito da negação é a conjunção como um todo.
Já em \ref{negcon2}, o âmbito da negação é apenas o primeiro conjunto (a sentença $S_1$).
Isso é indicado pelo posicionamento de `$\enot$' após o parêntese `$($' em `$(\enot S_1 \eand S_2)$'.
O uso dos parênteses tem o propósito de distinguir situações como estas e ajudar a definir o escopo (ou âmbito) da negação.
\section{Disjunção}
Considere as seguintes sentenças:
\begin{earg}
\item[\ex{or1}]Fátima vai jogar videogame ou ela vai assistir TV.
\item[\ex{or2}]Fátima ou Omar vão jogar videogame.
\end{earg}
Podemos, para estas sentenças, usar a seguinte chave de simbolização:
\begin{ekey}
\item[F] Fátima vai jogar videogame.
\item[O] Omar vai jogar videogame.
\item[T] Fátima vai assistir TV.
\end{ekey}
A sentença \ref{or1} diz, aproximadamente, que `$F$ ou $T$'.
Usaremos um símbolo novo da LVF para simbolizar este `ou'.
É o símbolo `$\eor$' que na tabela da página \pageref{table:TFLConnectives} foi chamado de \define{disjunction}.
A sentença \ref{or1} é, então, simbolizada como:
$$(F \eor T)$$
Além disso, dizemos que `$F$' e `$T$' são os \definepl{disjunct} da disjunção `$(F \eor T)$'.
A sentença \ref{or2} é apenas um pouco mais complicada.
Há dois sujeitos (ou, como dizem os gramáticos, um sujeito composto) para os quais uma única predicação é feita.
A seguinte paráfrase, no entanto, tem claramente o mesmo significado da sentença \ref{or2}:
`Fátima vai jogar videogame ou Omar vai jogar videogame'.
Podemos, então, simbolizá-la como:
$$(F \eor O)$$
A regra para saber se usamos a disjunção ($\eor$) na simbolização de uma sentença pode ser assim expressa:
\factoidbox{
Uma sentença pode ser simbolizada como $(\meta{A} \eor \meta{B})$ se ela puder ser parafraseada por `\ldots{}ou\ldots'.
Cada um dos disjuntos deve ser uma sentença.
}
Às vezes, em português, a palavra `ou' é usada de uma maneira que exclui a possibilidade de que ambos os disjuntos sejam verdadeiros.
Isso é chamado de \define{exclusive or}.
Um caso claro de uso do ou exclusivo ocorre quando no cardápio de uma lanchonete você lê ``todos os sanduíches vêm acompanhados de um refrigerante \emph{ou} um suco''.
Você pode beber o refrigerante, pode beber o suco, mas se quiser beber \emph{os dois}, terá que pagar a mais por isso.
Outras vezes, a palavra `ou' permite a possibilidade de ambos os disjuntos serem verdadeiros.
Este é provavelmente o caso da sentença \ref{or2}, acima.
Fátima pode jogar sozinha, Omar pode jogar sozinho, ou os dois podem jogar.
A sentença \ref{or2} apenas diz que \emph{pelo menos} um deles vai jogar videogame. Isso é chamado de \define{inclusive or}.
Na lógica, adotou-se a convenção de que o símbolo `\eor' da LVF sempre simboliza um \emph{ou inclusivo}.
Abaixo veremos como simbolizar um ou exclusivo na LVF usando os símbolos que já vimos `$\eor$', `$\eand$' e `$\enot$'.
Vejamos como a negação interage com a disjunção. Considere:
\begin{earg}
\item[\ex{or3}] Você não beberá refrigerante ou você não beberá suco.
\item[\ex{or4}] Você não beberá nem refrigerante nem suco.
\item[\ex{or.xor}] Você beberá refrigerante ou suco, mas não ambos.
\end{earg}
Usando a mesma chave de simbolização apresentada anteriormente,
\begin{ekey}
\item[S_1] Você beberá refrigerante.
\item[S_2] Você beberá suco.
\end{ekey}
a sentença \ref{or3} pode ser parafraseada da seguinte forma:
`\emph{Não é o caso de que} você beberá refrigerante ou \emph{não é o caso de que} você beberá suco'.
Para simbolizar isso na LVF precisamos da disjunção e da negação.
`Não é o caso de que você beberá refrigerante' é simbolizado por `$\enot S_1$'. `Não é o caso de que você beberá suco' é simbolizado por `$\enot S_2$'. Portanto, a sentença \ref{or3} é simbolizada como:
$$(\enot S_1 \eor \enot S_2)$$
A sentença \ref{or4} também requer a negação para ser simbolizada.
Ela pode ser parafraseada como:
`\emph{Não é o caso de que} você beberá refrigerante ou você beberá suco'.
Como isso nega toda a disjunção, simbolizamos a sentença \ref{or4} como:\footnote{
Uma outra possibilidade aceitável para parafrasear \ref{or4}, que talvez seja até mais natural, é a seguinte:
`\emph{Não é o caso de que} você beberá refrigerante \textbf{e} \emph{não é o caso de que} você beberá suco'. Neste caso a simbolização da sentença utilizará a conjunção das negações de cada uma das subsentenças e será: `$(\enot S_1 \eand \enot S_2)$'.
Mais adiante veremos que estas duas simbolizações distintas da sentença \ref{or4} como `$\enot(S_1 \eor S_2)$' ou como `$(\enot S_1 \eand \enot S_2)$' são, de uma perspectiva lógica, perfeitamente equivalentes na LVF.}
$$\enot(S_1 \eor S_2)$$
A sentença \ref{or.xor} corresponde a uma explicitação clara e não ambígua de um \emph{ou exclusivo}.
Podemos dividi-la em duas partes.
A primeira parte diz que você beberá refrigerante ou suco.
Nós simbolizamos isso como `$(S_1 \eor S_2)$'.
A segunda parte diz que você não beberá os dois.
Podemos parafrasear isso como:
``Não é o caso de que você beberá refrigerante e você beberá suco''.
Usando a negação e a conjunção, simbolizamos isso como `$\enot(S_1 \eand S_2)$'.
Agora só precisamos juntar as duas partes.
Como vimos anteriormente, a palavra `mas' usada para juntar as duas partes da sentença \ref{or.xor}, geralmente pode ser simbolizada como `$\eand$'.
Então, simbolizamos a sentença \ref{or.xor} como:
$$((S_1 \eor S_2) \eand \enot (S_1 \eand S_2))$$
Este último exemplo mostra algo importante.
Embora o símbolo `\eor' da LVF sempre simbolize o \emph{ou inclusivo}, o \emph{ou exclusivo} pode também ser simbolizado na LVF.
Nós apenas temos que usar alguns de nossos outros símbolos também.
\section{Condicional}
Considere as seguintes sentenças:
\begin{earg}
\item[\ex{if1}] Se Oscar está em Caicó, então Oscar está no Rio Grande do Norte.
\item[\ex{if2}] Oscar está no Rio Grande do Norte apenas se Oscar está em Caicó.
\end{earg}
Vamos usar a seguinte chave de simbolização:
\begin{ekey}
\item[C] Oscar está em Caicó.
\item[R] Oscar está no Rio Grande do Norte.
\end{ekey}
A sentença \ref{if1} tem aproximadamente esta forma: `se C, então R'.
Usaremos um símbolo novo, `\eif', para simbolizar essa estrutura `se\ldots, então\ldots'.
Deste modo, simbolizamos a sentença \ref{if1} como:
$$(C \eif R)$$
O conectivo `\eif' é chamado de \define{conditional}.
Na sentença condicional `$(C \eif R)$', `$C$' é chamado de \define{antecedent} e `$R$' é chamado de \define{consequent}.
A sentença \ref{if2} também é um condicional.
Como a palavra ``se'' aparece na segunda metade da frase, pode ser tentador simbolizá-la da mesma maneira que a sentença \ref{if1}, como `$(C \eif R)$'.
Mas isso seria um erro.
Quando pensamos no significado destas duas sentenças, nossos conhecimentos de geografia garantem que \ref{if1} é verdadeira, mas \ref{if2} não é.
Afinal, não há como Oscar estar em Caicó sem que ele esteja também no Rio Grande do Norte.
E isso parece assegurar a verdade de \ref{if1}.
Por outro lado, reconhecemos a sentença \ref{if2} como falsa porque sabemos que se Oscar estiver em Natal, Mossoró ou Currais Novos, por exemplo, ele estará no Rio Grande do Norte sem estar em Caicó.
Então não parece verdade que `Oscar está no Rio Grande do Norte apenas se Oscar está em Caicó'.
Portanto, como \ref{if1} é verdadeira e \ref{if2} é falsa, elas não dizem a mesma coisa e não podem, por isso, ser simbolizadas pela mesma sentença da LVF.
A sentença \ref{if2}, na verdade, pode ser parafraseada como `Se Oscar está no Rio Grande do Norte, então Oscar está em Caicó'.
Podemos simbolizá-la, então, como:
$$(R \eif C)$$
A regra para saber se usamos o condicional ($\eif$) na simbolização de uma sentença pode então ser assim expressa:
\factoidbox{
Uma sentença pode ser simbolizada como $(\meta{A} \eif \meta{B})$ se ela puder ser parafraseada em português como `Se A, então B' ou como `A apenas se B'.
}
\noindent De fato, muitas expressões em português podem ser representadas usando o condicional. Considere:
\begin{earg}
\item[\ex{ifnec1}] Para Oscar estar em Caicó, é necessário que Oscar esteja no Rio Grande do Norte.
\item[\ex{ifnec2}] Uma condição necessária para que Oscar esteja em Caicó é que ele esteja no Rio Grande do Norte.
\item[\ex{ifsuf1}] Para que Oscar esteja no Rio Grande do Norte, é suficiente que ele esteja em Caicó.
\item[\ex{ifsuf2}] Uma condição suficiente para que Oscar esteja no Rio Grande do Norte é que ele esteja em Caicó.
\end{earg}
Quando pensamos com calma sobre o significado destas quatro sentenças, sobre o que cada uma delas afirma, vemos que todas elas significam o mesmo que `Se Oscar está em Caicó, então Oscar está no Rio Grande do Norte'.
Por isso todas elas podem ser simbolizadas como:
$$(C \eif R)$$
É importante ter em mente que o conectivo `\eif' diz apenas que, se o antecedente for verdadeiro, o consequente será verdadeiro.
Ele não diz nada sobre uma possível conexão \emph{causal} entre o antecedente e o consequente.
De fato, o nosso uso dos condicionais na língua portuguesa é muito rico em informação e sutilezas que não cabem no conectivo `$\eif$' da LVF.
Portanto, muito está sendo perdido quando simbolizamos um condicional do português com `$\eif$'.
Voltaremos a estas questões mais adiante neste livro, nas Seções \ref{s:IndicativeSubjunctive} e \ref{s:ParadoxesOfMaterialConditional}.
\section{Bicondicional}
Considere as sentenças:
\begin{earg}
\item[\ex{iff1}] Olavo é um asno apenas se ele for um mamífero.
\item[\ex{iff2}] Olavo é um asno se ele for um mamífero.
\item[\ex{iff3}] Olavo é um asno se e somente se ele for um mamífero.
\end{earg}
Usaremos a seguinte chave de simbolização:
\begin{ekey}
\item[A_3] Olavo é um asno.
\item[M_3] Olavo é um mamífero.
\end{ekey}
A sentença \ref{iff1}, conforme acabamos de ver na seção anterior, pode ser simbolizada como:
$$(A_3 \eif M_3)$$
A sentença \ref{iff2}, apesar de muito parecida, difere de \ref{iff1} em um aspecto bastante importante:
o sentido do condicional.
Ela pode ser parafraseada como:
``Se Olavo é um mamífero, então Olavo é um asno''.
Portanto, pode ser simbolizada por:
$$(M_3 \eif A_3)$$
A sentença \ref{iff3} diz algo mais forte que tanto \ref{iff1} quanto \ref{iff2}.
Ela pode ser parafraseada como ``Olavo é um asno se Olavo for um mamífero, e Olavo é um asno apenas se Olavo for um mamífero''.
Esta paráfrase nada mais é do que a conjunção das sentenças \ref{iff1} e \ref{iff2}.
Portanto, podemos simbolizá-la como:
$$((A_3 \eif M_3) \eand (M_3 \eif A_3))$$
Nós chamamos uma sentença deste tipo de \define{biconditional}, porque corresponde ao condicional em ambas as direções.
Poderíamos simbolizar todos os bicondicionais dessa maneira.
Portanto, assim como não precisamos de um novo símbolo da LVF para lidar com o \emph{ou exclusivo}, também não precisamos de um novo símbolo da LVF para lidar com os bicondicionais.
Mas como o bicondicional ocorre com bastante frequência, usaremos o símbolo `\eiff' para ele.
Podemos então simbolizar a sentença \ref{iff3} como:
$$(A_3 \eiff M_3)$$
A expressão ``se e somente se'' é bastante usada em filosofia, matemática e lógica.
Por uma questão de economia, ela é costumeiramente abreviada por `sse'.
Nós vamos seguir esta prática neste livro.
Portanto, `se' com apenas \emph{um} `s' é o condicional.
Mas `sse' com \emph{dois} `s's é o bicondicional.
Diante disso, podemos apresentar a regra que indica se usamos o bicondicional (\eiff) na simbolização de uma sentença como:
\factoidbox{
Uma sentença pode ser simbolizada como $(\meta{A} \eiff \meta{B})$ se ela puder ser parafraseada como `A sse B'; isto é, como `A se e somente se B'.
}
\subsection{Condicionais que expressam bicondicionais e o princípio da caridade}
Aqui vai um alerta.
Apesar de bastante usada na filosofia e na matemática, a expressão `se e somente se', que indica o bicondicional, é uma expressão `técnica' que quase nunca é usada na linguagem falada ou mesmo em textos não acadêmicos.
Quando foi a última vez que você ouviu alguém dizendo `se e somente se' em uma conversa?
O que acontece é que, nas conversas comuns, expressamos bicondicionais de um modo `relaxado' através de sentenças condicionais.
Ou seja, usamos a expressão `se\ldots, então\ldots' onde, de acordo com a lógica, deveríamos usar `\ldots{}se e somente se\ldots'.
Um exemplo deste `uso relaxado' é o seguinte.
Suponha que o pai diga à filha:
\begin{earg}
\item[\ex{if_iff1}] Se você não comer toda a verdura, então não ganhará sobremesa.
\end{earg}
Aí a filha, interessada no sorvete que viu no congelador, come toda a verdura.
Bem, conforme a interpretação lógica que vimos aqui, o pai poderia mesmo assim se recusar a dar sobremesa à filha, alegando que ele fez uma afirmação condicional e não bicondicional.
Ao proferir a sentença \ref{if_iff1} o pai se compromete com o que fará caso a filha \emph{não} coma toda a verdura.
A sentença diz apenas que se ela não comer toda a verdura, ela não ganhará sobremesa.
Mas nada é dito sobre o que acontece se a filha come toda a verdura.
No entanto, ao ouvir a sentença \ref{if_iff1}, a filha espera do pai não só o compromisso condicional que a sentença literalmente expressa, mas ela espera também o compromisso de que `ela não ganhará sobremesa \emph{apenas se} não comer toda a verdura'.
E como vimos na seção anterior, este compromisso pode ser parafraseado na sentença
\begin{earg}
\item[\ex{if_iff2}] Se você não ganhou sobremesa, então você não comeu toda a verdura.
\end{earg}
%É importante notarmos que a pressuposição deste compromisso dado pela sentença \ref{if_iff2} e não explícito na fala do pai não é um erro lógico da filha.
É importante notarmos que quando a filha ouve a sentença \ref{if_iff1} e pressupõe que o pai também se compromete com a sentença \ref{if_iff2}, ela não está cometendo um erro lógico.
A motivação mais plausível para o pai ter dito a sentença \ref{if_iff1} para a filha é justamente a de convencê-la a comer toda a verdura.
Ou seja, não ganhar sobremesa seria um castigo por não comer toda a verdura:
a filha não ganharia a sobremesa \emph{apenas se} não comesse toda a verdura; situação esta parafraseada na sentença \ref{if_iff2}.
Então, quando levamos em conta as motivações do pai, vemos que também ele assume que sua afirmação de \ref{if_iff1} o compromete adicionalmente com \ref{if_iff2}.
A filha teria razão em fazer pantim\footnote{
Se você não é natalense, talvez não saiba que `fazer pantim', neste contexto, é fazer birra, pirraça, emburrar.}
se o pai se recusasse a lhe dar a sobremesa, tendo ela comido toda a verdura.
Portanto, no contexto informal em que a sentença \ref{if_iff1} foi proferida, está claro que devemos entendê-la não como um condicional, mas como o bicondicional dado pela conjunção de \ref{if_iff1} e \ref{if_iff2}.\footnote{
Não se preocupe muito se você ainda tem dúvidas sobre por que em uma análise estritamente lógica a afirmação do pai (a sentença \ref{if_iff1}) não o obriga a dar sobremesa à filha mesmo quando ela come toda a verdura.
Mais adiante, com mais recursos, voltaremos a este ponto e esclareceremos a questão.}
A moral da história aqui é que em muitos contextos de uso da linguagem nós utilizamos sentenças condicionais para fazer afirmações bicondicionais.
A expressão `se e somente se', que marca o bicondicional, é uma expressão técnica, um jargão lógico-matemático que não costuma aparecer nos usos não acadêmicos da linguagem.
Quando, portanto, estamos interessados em fazer uma análise lógica de um diálogo, texto, discurso, ... temos que ter muito cuidado em perceber estes usos `relaxados' de sentenças condicionais que fazem afirmações bicondicionais.
É importante levar o contexto em consideração e aplicar o que costuma ser chamado de \emph{princípio da caridade}.
Segundo este princípio devemos simbolizar as sentenças da maneira mais próxima possível às intenções dos sujeitos envolvidos no diálogo ou texto, mesmo que para isso tenhamos que `corrigir' ou completar algumas de suas formulações.
\section{A menos que}
Os cinco conectivos introduzidos até agora (`$\enot$', `$\eand$', `$\eor$', `$\eif$' e `$\eiff$') correspondem a todos os conectivos da LVF.
Podemos, agora, usá-los em conjunto para simbolizar muitos tipos diferentes de sentenças.
Um caso especialmente difícil é o de sentenças com as expressões sinônimas `a menos que' e `a não ser que'.
\begin{earg}
\item[\ex{unless1}] A não ser que você saia do sol, você terá uma insolação.
\item[\ex{unless2}] Você terá uma insolação a menos que você saia do sol.
\end{earg}
Estas duas sentenças são claramente equivalentes.
Para simbolizá-las usaremos a seguinte chave:
\begin{ekey}
\item[S] Você sairá do sol.
\item[I] Você terá uma insolação.
\end{ekey}
Ambas as sentenças significam que, se você não sair do sol, então você terá uma insolação.
Com isso em mente, podemos simbolizá-las como:
$$(\enot S \eif I)$$
Da mesma forma, as duas frases significam também que, se você não tem uma insolação, então deve ter saído do sol.
Com isso em mente, podemos simbolizá-las como:
$$(\enot I \eif S)$$
Além disso, ambas as sentenças também significam que você sairá do sol ou terá uma insolação. Então, também podemos simbolizá-las como:
$$(S \eor I)$$
Todas essas três simbolizações estão corretas.
De fato, no Capítulo \ref{s:SemanticConcepts}, veremos que todas essas três simbolizações são sentenças equivalentes na LVF.
Vamos então, por economia, usar a terceira simbolização, que utiliza menos símbolos, na seguinte regra:
% TODO: it might be useful to reference exercise 11.F.3 explicitly
% here, since the point is not discussed in the main text
\factoidbox{
Se uma sentença puder ser parafraseada como `A não ser que $A$, $B$' ou por `A menos que $A$, $B$', então ela pode ser simbolizada como `$(\meta{A} \eor \meta{B})$'.
}
Há, porém, uma pequena complicação também neste caso.
`A menos que' pode ser simbolizado tanto como condicional quanto como disjunção.
Mas, como vimos acima, as pessoas às vezes usam a forma do condicional quando pretendem dizer o bicondicional.
Além disso, vimos também que há dois tipos de disjunção, a exclusiva e a inclusiva.
Diante disso, não é surpresa nenhuma o fato de que os falantes comuns do português muitas vezes utilizam as expressões `a menos que' e `a não ser que' de um modo `relaxado', pretendendo fazer afirmações bicondicionais ou disjunções exclusivas.
Suponha que uma pessoa diga:
`Vou correr a menos que chova'.
Ela provavelmente está querendo dizer algo como:
``Vou correr se e somente se não chover'' ou ``Ou vou correr ou vai chover, mas não as duas coisas''.
O primeiro caso é um bicondicional e o segundo uma disjunção exclusiva.
Então, aqui também a moral da história é que temos que estar cientes destes usos `relaxados' e aplicar o princípio da caridade em nossas simbolizações para que elas reflitam o melhor possível a intenção dos falantes, ainda que para isso tenhamos que `corrigir' algumas de suas formulações.
\practiceproblems
\solutions
\problempart Usando a chave a seguir, simbolize cada uma das 6 sentenças abaixo na LVF.\label{pr.monkeysuits}
\begin{ekey}
\item[H] Essas criaturas são homens de terno.
\item[C] Essas criaturas são chimpanzés.
\item[G] Essas criaturas são gorilas.
\end{ekey}
\begin{earg}
\item Essas criaturas não são homens de terno.
\item Essas criaturas são homens de terno, ou não.
\item Essas criaturas são gorilas ou chimpanzés.
\item Essas criaturas não são gorilas nem chimpanzés.
\item Se essas criaturas são chimpanzés, então não são gorilas nem homens de terno.
\item A menos que essas criaturas sejam homens de terno, elas são chimpanzés ou gorilas.
\end{earg}
\problempart Usando a chave a seguir, simbolize cada uma das 12 sentenças abaixo na LVF.
\begin{ekey}
\item[A] O Sr. Abel foi assassinado.
\item[B] Foi a babá.
\item[C] Foi o cozinheiro.
\item[D] A Duquesa está mentindo.
\item[E] A Sra. Elsa foi assassinada.
\item[F] A arma do crime foi uma frigideira.
\end{ekey}
\begin{earg}
\item O Sr. Abel ou a Sra. Elsa foram assassinados.
\item Se o Sr. Abel foi assassinado, então foi o cozinheiro.
\item Se a Sra. Elsa foi assassinada, então não foi o cozinheiro.
\item Foi a babá ou a Duquesa está mentindo.
\item Foi o cozinheiro apenas se a Duquesa estiver mentindo.
\item Se a arma do crime foi uma frigideira, então o culpado deve ter sido o cozinheiro.
\item Se a arma do crime não foi uma frigideira, então o culpado foi o cozinheiro ou a babá.
\item O Sr. Abel foi assassinado se e somente se a Sra. Elsa não foi assassinada.
\item A Duquesa está mentindo, a menos que a vítima do assassinato tenha sido a Sra. Elsa.
\item Se o Sr. Abel foi assassinado, ele foi morto com uma frigideira.
\item Uma vez que foi o cozinheiro, não foi a babá.
\item É claro que a Duquesa está mentindo!
\end{earg}
\solutions
\problempart Usando a chave a seguir, simbolize cada uma das 12 sentenças abaixo na LVF.\label{pr.avacareer}
\begin{ekey}
\item[E_1] Aline é eletricista.
\item[E_2] Helena é eletricista.
\item[B_1] Aline é bombeira.
\item[B_2] Helena é bombeira.
\item[S_1] Aline está satisfeita com sua carreira.
\item[S_2] Helena está satisfeita com sua carreira.
\end{ekey}
\begin{earg}
\item Aline e Helena são eletricistas.
\item Se Aline é bombeira, então ela está satisfeita com sua carreira.
\item Aline é bombeira, a menos que seja eletricista.
\item Helena é uma eletricista insatisfeita.
\item Nem Aline nem Helena são eletricistas.
\item Tanto Aline quanto Helena são eletricistas, mas nenhuma delas está satisfeita com isso.
\item Helena está satisfeita apenas se ela for bombeira.
\item Se Aline não é eletricista, então Helena também não, mas se a primeira for, então a outra também é.
\item Aline está satisfeita com sua carreira, se e somente se Helena não estiver satisfeito com a dela.
\item Se Helena é eletricista e bombeira, então ela deve estar satisfeita com seu trabalho.
\item Não é possível que Helena seja ambos eletricista e bombeira.
\item Helena e Aline são ambas bombeiras se e somente se nenhuma delas é uma eletricista.
\end{earg}
\problempart
Usando a chave a seguir, simbolize cada uma das 9 sentenças abaixo na LVF.
\label{pr.jazzinstruments}
\begin{ekey}
\item[J_1] John Coltrane tocava sax tenor.
\item[J_2] John Coltrane tocava sax soprano.
\item[J_3] John Coltrane tocava tuba.
\item[M_1] Miles Davis tocava trompete.
\item[M_2] Miles Davis tocava tuba.
\end{ekey}
\begin{earg}
\item John Coltrane tocava sax tenor e soprano.
\item Nem Miles Davis nem John Coltrane tocavam tuba.
\item John Coltrane não tocava ambos, sax tenor e tuba.
\item John Coltrane não tocava sax tenor, a menos que ele também tocasse sax soprano.
\item John Coltrane não tocava tuba, mas Miles Davis tocava.
\item Miles Davis tocava trompete apenas se ele também tocava tuba.
\item Se Miles Davis tocava trompete, John Coltrane tocava pelo menos um destes três instrumentos: sax tenor, sax soprano ou tuba.
\item Se John Coltrane tocava tuba, então Miles Davis não tocava trompete nem tuba.
\item Miles Davis e John Coltrane tocavam tuba se e somente se Coltrane não tocava sax tenor e Miles Davis não tocava trompete.
\end{earg}
\solutions
\problempart
\label{pr.spies}
Proponha uma chave de simbolização e utilize-a para simbolizar cada uma das 6 sentenças abaixo na LVF.
\begin{earg}
\item Amália e Betina são espiãs.
\item Se Amália ou Betina são espiãs, então o código foi quebrado.
\item Se nem Amália nem Betina são espiãs, então o código permanece desconhecido.
\item A embaixada peruana ficará em polvorosa, a menos que alguém tenha quebrado o código.
\item O código foi quebrado ou não, mas a embaixada peruana ficará em polvorosa, independentemente.
\item Amália ou Betina é uma espiã, mas não ambas.
\end{earg}
\solutions
\problempart Proponha uma chave de simbolização e utilize-a para simbolizar cada uma das 5 sentenças abaixo na LVF.
\begin{earg}
\item Se não houver álcool gel na dispensa, então Celso sairá de casa na quarentena.
\item Celso sairá de casa na quarentena, a menos que haja álcool gel na dispensa.
\item Celso sairá de casa na quarentena ou não, mas há álcool gel na dispensa, independentemente.
\item Úrsula permanecerá calma se e somente se houver álcool gel na dispensa.
\item Se Celso sair de casa na quarentena, então Úrsula não permanecerá calma.
\end{earg}
\problempart
Para cada um dos 3 argumentos abaixo, identifique sua conclusão e suas premissas, proponha uma chave de simbolização e use-a para simbolizar todas as sentenças do argumento na LVF.
\begin{earg}
\item Se Danina toca piano de manhã, então Richard acorda irritadiço. Danina toca piano de manhã, a menos que esteja distraída. Portanto, se Richard não acorda irritadiço, Danina deve estar distraída.
\item Vai chover ou ventar forte na terça-feira. Se chover, Natália ficará triste. Se ventar forte, Natália ficará descabelada. Portanto, Natália ficará triste ou descabelada na terça-feira.
\item Se Zé se lembrou de ir fazer compras, então sua dispensa está cheia, mas sua casa não está arrumada. Se ele se esqueceu, então sua casa está arrumada, mas sua dispensa não está cheia. Portanto, a dispensa de Zé está cheia ou sua casa está arrumada, mas não ambos.
\end{earg}
\problempart
Para cada um dos três argumentos abaixo, identifique sua conclusão e suas premissas, proponha uma chave de simbolização e utilize-a para simbolizar o argumento da melhor maneira possível na LVF.
Os trechos em \emph{itálico} apenas ajudam a fornecer um contexto para a melhor interpretação do argumento e não precisam ser simbolizados.
\begin{earg}
\item Vai chover em breve. Eu sei porque minha perna está doendo, e minha perna dói se vai chover.
%{\color{red}
%\begin{ekey}
%\item[A:]
%\item[B:]
%\item[C:] %\end{ekey}
%begin{\earg}
%\item[1.]
%\item[2.]
%\item[$\therefore$]
%}
\item \emph{O Homem-Aranha está tentando entender o plano malígno do Dr. Octopus.} Se o Dr. Octopus conseguir obter urânio, ele chantageará a cidade. Estou certo disso, porque se o Dr. Octopus conseguir obter urânio, ele poderá fazer uma bomba suja e, se ele puder fazer uma bomba suja, chantageará a cidade.
%{\color{red}
%\begin{ekey}
%\item[A:]
%\item[B:]
%\item[C:] %\end{ekey}
%begin{\earg}
%\item[1.]
%\item[2.]
%\item[$\therefore$]
%}
\item \emph{Um analista ocidental está tentando prever as políticas do governo chinês.} Se o governo chinês não conseguir resolver a escassez de água em Pequim, ele terá que transferir sua capital. O governo chinês não quer transferir a capital. Portanto, ele tem que resolver a escassez de água. Mas a única maneira de resolver a escassez de água é desviar quase toda a água do rio Yangzi para o norte. Portanto, o governo chinês executará o projeto para desviar a água do sul para o norte.
%{\color{red}
%\begin{ekey}
%\item[A:]
%\item[B:]
%\item[C:] %\end{ekey}
%begin{\earg}
%\item[1.]
%\item[2.]
%\item[$\therefore$]
%}
\end{earg}
\problempart
Nós simbolizamos o \emph{ou exclusivo} usando os conectivos `$\eor$', `$\eand$' e `$\enot$'.
Como você poderia simbolizar o \emph{ou exclusivo} usando apenas dois conectivos?
Existe alguma maneira de simbolizar o \emph{ou exclusivo} usando apenas um conectivo?
\chapter{Sentenças da LVF}\label{s:TFLSentences}
A expressão `as maçãs são vermelhas ou as jaboticabas são pretas' é uma sentença em português e a expressão `$(M \eor J)$' é uma sentença da LVF.
Embora não tenhamos em geral dificuldades em identificar uma expressão como sendo ou não uma sentença do português, não há uma definição formal que esclareça completamente o que conta como sentença na língua portuguesa.
Neste capítulo, no entanto, ofereceremos uma \emph{definição} completa do que conta como uma sentença da LVF.
E esse é um dos motivos pelos quais dizemos que uma linguagem formal como a LVF é mais precisa do que uma linguagem natural como o português.
\section{Expressões}
Vimos que há três tipos diferentes de símbolos na LVF:
\begin{center}
\begin{tabular}{l l}
Letras sentenciais: & $A,B,C,\ldots,Z$\\
com subíndices, se necessário: & $A_1, B_1,Z_1,A_2,A_{25},J_{375},\ldots$\\
\\
Conectivos: & $\enot,\eand,\eor,\eif,\eiff$\\
\\
Parênteses: &( , )\\
\end{tabular}
\end{center}
Definimos uma \define{TFL expression} como qualquer sequência de símbolos da LVF.
Pegue uma quantidade qualquer de símbolos da LVF e escreva-os, em qualquer ordem, e você terá uma expressão da LVF.
\section{Sentenças}\label{s:Sentences}
Obviamente, muitas expressões da LVF serão totalmente sem sentido.
Nós precisamos saber quando uma expressão da LVF constitui uma \emph{sentença}.
Letras sentenciais individuais tais como `$A$' e `$G_{13}$' devem, claramente, contar como sentenças.
(Nós as chamaremos de \definepl{atomic sentence}.)
Podemos formar sentenças adicionais a partir das sentenças atômicas usando os vários conectivos.
Usando negação, podemos obter `$\enot A$' e `$\enot G_{13} $'.
Usando conjunção, podemos obter `$(A \eand G_{13})$', `$(G_{13} \eand A)$', `$(A \eand A)$' e `$(G_{13} \eand G_{13})$'.
Também poderíamos aplicar negação repetidamente para obter sentenças como `$\enot\enot A$', ou aplicar a negação junto com a conjunção para obter sentenças como `$\enot(A \eand G_{13})$' e `$\enot(G_{13} \eand \enot G_{13})$'.
As combinações possíveis são infinitas, mesmo começando com apenas essas duas letras sentenciais, e há infinitas letras sentenciais.
Portanto, não faz sentido tentar listar todas as sentenças uma por uma.
Em vez disso, descreveremos o processo pelo qual as sentenças podem ser \emph{construídas}.
Considere a negação: dada qualquer sentença \meta{A} da LVF, $\enot\meta{A}$ é uma sentença da LVF.
(Por que as fontes engraçadas? Trataremos disso na Seção \ref{s:Metavariables}.)
Podemos fazer o mesmo para cada um dos outros conectivos da LVF.
Por exemplo, se \meta{A} e \meta{B} são sentenças da LVF, então $(\meta{A}\eand\meta{B})$ é uma sentença da LVF.
Fornecendo cláusulas como essa para todos os conectivos, chegamos à seguinte definição formal para uma \define{sentence of TFL}:
{\small
\factoidbox{\label{TFLsentences}
\begin{enumerate}
\item Toda letra sentencial é uma sentença.
\item Se \meta{A} é uma sentença, então $\enot\meta{A}$ é uma sentença.
\item Se \meta{A} e \meta{B} são sentenças, então $(\meta{A}\eand\meta{B})$ é uma sentença.
\item Se \meta{A} e \meta{B} são sentenças, então $(\meta{A}\eor\meta{B})$ é uma sentença.
\item Se \meta{A} e \meta{B} são sentenças, então $(\meta{A}\eif\meta{B})$ é uma sentença.
\item Se \meta{A} e \meta{B} são sentenças, então $(\meta{A}\eiff\meta{B})$ é uma sentença.
\item Nada além do estabelecido por essas cláusulas é uma sentença.
\end{enumerate}
}}
Definições como essa são chamadas \emph{indutivas}.
As definições indutivas começam com alguns elementos básicos especificáveis e, em seguida, apresentam regras que regulam a geração de novos elementos, combinando os já estabelecidos.
Na definição de sentença da LVF acima, a cláusula básica é a 1; as cláusulas 2 a 6 correspondem às regras para a geração de novos elementos a partir dos já estabelecidos, e a cláusula 7 é o fechamento, que garante que nada além do que for assim gerado será uma sentença.
Para dar a você uma ideia melhor do que é uma definição indutiva, vou definir indutivamente o que é ser \emph{um ancestral meu}.
A cláusula básica pode ser assim especificada:
\begin{ebullet}
\item Meus pais são meus ancestrais.
\end{ebullet}
a regra para geração de novos elementos e o fechamento são dados pelas seguintes cláusulas:
\begin{ebullet}
\item Se $x$ é meu ancestral, então os pais de $x$ são meus ancestrais.
\item Nada além do estabelecido por estas cláusulas é meu ancestral.
\end{ebullet}
Usando essa definição, podemos facilmente verificar se alguém é ou não meu ancestral:
basta verificar se a pessoa é um dos pais de um dos pais de...um dos meus pais.
O mesmo se aplica à nossa definição indutiva de sentenças da LVF.
A definição indutiva permite não apenas construir sentenças complexas a partir de partes mais simples, mas permite também verificar se uma expressão qualquer é uma sentença, decompondo-a em partes mais simples. Se ao final chegarmos em letras sentenciais, então a expressão inicial era uma sentença.
Vejamos alguns exemplos.
Suponha que queiramos saber se
$$\enot\enot\enot D$$
é ou não uma sentença da LVF.
Olhando para a segunda cláusula da definição, sabemos que '$\enot\enot\enot D$' será uma sentença \emph{se} `$\enot\enot D$' for uma sentença.
Então, precisamos agora perguntar se '$\enot\enot D$' é ou não uma sentença.
Olhando novamente para a segunda cláusula da definição, sabemos que `$\enot\enot D$' será uma sentença \emph{se} `$\enot D$' for.
E, da mesma forma, `$\enot D$' será uma sentença \emph{se} `$D$' for uma sentença.
Bem, `$D$' é uma letra sentencial da LVF, então, sabemos que `$D$' é uma sentença por causa da primeira cláusula da definição.
Portanto, quando partimos de uma sentença composta qualquer, tal como `$\enot\enot\enot D$', e aplicamos a definição repetidamente, nós eventualmente chegaremos às letras sentenciais das quais a sentença é constituída.
Vejamos agora o seguinte exemplo:
$$\enot (P \eand \enot (\enot Q \eor R))$$
A segunda cláusula da definição nos diz que esta é uma sentença se `$(P \eand \enot (\enot Q \eor R))$' for, e a cláusula 3 nos diz que essa é uma sentença se \emph{ambas} `$P$' \emph{e} `$\enot (\enot Q \eor R)$' forem sentenças.
A primeira é uma letra sentencial e a segunda é uma sentença se `$(\enot Q \eor R)$' for uma sentença.
E ela é.
Pois de acordo com a quarta cláusula da definição `$(\enot Q \eor R)$' é uma sentença se ``$\enot Q$'' e `$R$' são sentenças. E ambas são!
Cada sentença é harmoniosamente construída a partir de letras sentenciais.
Quando estamos diante de uma \emph{sentença} diferente de uma letra sentencial, vemos que sempre há um conectivo que é o \emph{último} que foi introduzido na construção dessa sentença.
Chamamos este conectivo de o \define{main logical operator} da sentença.
No caso de `$\enot\enot\enot D$', por exemplo, o conectivo principal é o primeiro `$\enot$' (o mais à esquerda).
No caso de `$(P \eand \enot (\enot Q \eor R))$', o conectivo principal é o `$\eand$'.
Já no caso de `$((\enot E \eor F) \eif \enot\enot G)$', o conectivo principal é `$\eif$'.
O conectivo principal é sempre o envolvido por menos parênteses, ou seja, o mais externo com relação aos parênteses.
Em geral conseguimos identificá-lo sem muita dificuldade apenas olhando para a sentença.
Mas se você tiver dúvidas sobre qual é o conectivo principal de alguma sentença, o seguinte método pode ser usado:
\begin{ebullet}
\item Se o primeiro símbolo da sentença for `$\enot$', ele é o conectivo principal.
\item Caso contrário, percorra todos os símbolos da sentença da esquerda para a direita e faça a seguinte contagem: sempre que encontrar um símbolo de `abre parênteses', ou seja, `$($', adicione $1$ à sua contagem. Sempre que encontrar um símbolo de `fecha parênteses', ou seja `$)$', subtraia $1$ de sua contagem. O conectivo principal de sua sentença será o primeiro conectivo diferente de `\enot' que ocorre na sentença no ponto em que a contagem for igual a $1$.
\end{ebullet}
\noindent (\textbf{Nota}: antes de aplicar este método, assegure-se de que a sentença esteja escrita com todos os seus parênteses.
Não aplique este método em sentenças nas quais parênteses foram omitidos ou substituídos através das convenções que veremos na próxima Seção!)
Considere, por exemplo, a sentença
$$((A \eor B) \eand C))$$
Ela não começa com uma negação, então é preciso fazer a contagem dos parênteses para aplicar o método.
Se marcarmos cada símbolo de parênteses com o número da contagem obtemos:
$$(^1 (^2 A \eor B)^1 \eand C)^0$$
Nesta sentença temos $2$ conectivos.
A disjunção `\eor' ocorre em um ponto no qual a contagem está em $2$, então não é o conectivo principal.
A conjunção `\eand', por sua vez, é o primeiro concectivo que ocorre à direita do ponto em que a contagem está em 1.
Então, de acordo com nosso método, `\eand' é o conectivo principal.
Já em
$$(A \eor (B \eand C))$$
a marcação da contagem nos dá
$$(^1 A \eor (^2 B \eand C)^1 )^0$$
Aqui, o primeiro conectivo à direita do ponto em que a contagem está em 1 é `\eor' que será, por isso, o conectivo principal.
Isso pode à primeira vista parecer confuso, mas não é.
Se uma sentença começa com uma negação, `\enot', esta negação inicial é o conectivo principal, porque ela é o último conectivo introduzido na construção da sentença (pela cláusula 2 da tabela acima).
Quando a sentença não começa com uma negação, precisamos encontrar este último conectivo introduzido na construção da sentença.
E é isso que a contagem faz.
Os números nos parênteses apenas indicam explicitamente quão internos ou externos esses parênteses são.
O conectivo que ocorre no ponto em que a contagem está em $1$ será o mais externo, o envolvido por apenas um par de parênteses.
Um conectivo que ocorra no ponto em que a contagem está em $3$, por exemplo, é um conectivo envolvido por 3 pares de parênteses.
A estrutura indutiva das sentenças da LVF será importante quando considerarmos as circunstâncias sob as quais determinada sentença seria verdadeira ou falsa.
Por exemplo, a sentença `$\enot\enot\enot D$' é verdadeira se e somente se a sentença `$\enot\enot D$' for falsa, e assim por diante, através da estrutura da sentença, até chegarmos aos componentes atômicos.
Nós estudaremos detalhadamente este ponto mais adiante, nos capítulos da Parte \ref{ch.TruthTables} deste livro.
A estrutura indutiva das sentenças da LVF também nos permite dar uma definição formal da noção de \emph{escopo} de uma negação (mencionado na Seção \ref{s:ConnectiveConjunction}).
O escopo de `$\enot$' é a subsentença da qual `$\enot$' é o conectivo principal.
Considere, por exemplo, a sentença:
$$(P \eand (\enot (R \eand B) \eiff Q))$$
que foi construída fazendo-se a conjunção de `$P$' com \mbox{`$(\enot(R \eand B) \eiff Q)$'}.
Esta última sentença, por sua vez, foi construída colocando um bicondicional entre `$\enot(R \eand B)$' e `$Q$'.
A primeira dessas duas sentenças---uma subsentença da sentença original---tem o `\enot' como seu conectivo principal.
Portanto, o escopo desta negação é apenas `$(R \eand B)$'.
De forma geral:
\factoidbox{O \define{scope} de um conectivo (em uma sentença) é a subsentença da qual esse conectivo é o conectivo principal.}
\section{Convenções sobre o uso de parênteses}
\label{TFLconventions}
A rigor, os parênteses em `$(Q \eand R)$' são uma parte indispensável da sentença.
Isto é assim porque podemos querer usar `$(Q \eand R)$' como subsentença de uma sentença mais complexa.
Por exemplo, podemos querer negar `$(Q \eand R)$', obtendo `$\enot(Q \eand R)$'.
Se a sentença `$Q \eand R$' estivesse assim, sem parênteses, e colocássemos uma negação na sua frente, obteríamos `$\enot Q \eand R$'.
E é mais natural ler isso como significando a mesma coisa que `$(\enot Q \eand R)$'.
Mas já vimos na Seção \ref{s:ConnectiveConjunction}, que isso é muito diferente de `$\enot(Q \eand R)$'.
Estritamente falando, então, `$Q \eand R$' \emph{não} é uma sentença.
É apenas uma sequência de símbolos da LVF, ou seja, uma \emph{expressão}.
No entanto, em muitas situações em que a LVF é utilizada, as pessoas são menos rigorosas sobre o uso dos parênteses.
Existem algumas convenções que regulam a omissão e a substituição de alguns destes parênteses, que nós precisamos conhecer.
A mais comum delas é a omissão dos parênteses \emph{mais externos} de uma sentença.
Assim, muitas vezes nos permitimos escrever `$Q \eand R$' em vez de `$(Q \eand R)$'.
No entanto, devemos nos lembrar de colocar de volta os parênteses quando quisermos utilizar esta sentença como parte de uma sentença mais complexa, tal como `$A \eif (Q \eand R)$'.
Segundo, pode ser um pouco difícil olhar para sentenças longas com muitos pares de parênteses aninhados.
Para tornar as coisas um pouco mais fáceis para os olhos, nos permitiremos usar colchetes, `[', `]' e chaves, `\{', `\}' juntamente com os parênteses, `(' e `)'.
Geralmente os parênteses mais internos são os arredondados, intermediariamente usamos colchetes, e as chaves reservamos para os mais externos.
Entretanto, não há regras rígidas.
A idéia é apenas facilitar a leitura.
Neste sentido, não há qualquer diferença lógica entre a sentença
$$((((H \eif I) \eor Z) \eand (J \eor K)) \eiff (A \eor B))$$
e a sentença
$$\{[(H \eif I) \eor Z] \eand (J \eor K)\} \eiff (A \eor B)$$
A única diferença é que a segunda é um pouco mais fácil de ser lida.
\practiceproblems
\solutions
\problempart
\label{pr.wiffTFL}